Internet, o oásis dos tímidos
Por Mariuza Pregnolato
A timidez não é uma doença, mas pode transformar-se numa fonte de intenso sofrimento para aqueles que sentem-se incapazes de adquirir desenvoltura social. Antigamente, o principal refúgio dos tímidos era a leitura e a escrita. Há muitos exemplos de comportamentos misantrópicos e excêntricos dentre os grandes nomes da história mundial, como o do filósofo Arthur Schopenhauer, por exemplo. Essas personagens, dotadas de um intelecto privilegiado, mas incapazes de manter uma interação social satisfatória, isolavam-se da sociedade para relacionar-se mais profundamente consigo mesmos, ou com possíveis admiradores, através da sua arte. O mundo ganhou muito com a sua introspecção, mas praticamente todos eles, no final de suas vidas, mostraram-se ressentidos com a vida solitária que levaram.
Apresentavam o que hoje chamamos de Déficit de Habilidades Sociais, uma inabilidade em relacionar-se socialmente devido à excessiva ansiedade em relação ao próprio desempenho, que redunda em falta de assertividade verbal, dificuldade de iniciar e manter conversações, de expor sua opinião e defender seus interesses verbalmente de modo satisfatório, etc. É um quadro gerado, principalmente, por uma educação muito rígida e punitiva que, geralmente, produz isolamento, forte ansiedade, sentimento de solidão e estado depressivo.
Há algumas décadas, além da arte, uma nova possibilidade tornou-se acessível para esse público: a TV. Mais democrática e não requerendo nenhum talento especial para ser degustada, chegou a ser rotulada de imbecilizante, por provocar comportamentos passivos e não exigir um mínimo de esforço por parte do telespectador. Logo em seguida veio o videogame, uma forma de brincar que, como a TV, dispensava a companhia de outra pessoa.
E então surgiu, no final do século passado, a até então impensável maravilha das maravilhas: a internet. Uma ferramenta que conjuga todas as alternativas anteriores e muito, muito mais. Com ela, até o mais anti-social dos indivíduos, além de ler, escrever, assistir e jogar, sozinho ou com amigos virtuais do mundo todo, pode também bater papo, estudar, trabalhar, comprar, vender, obter informações para resolver seus problemas do dia-a-dia, namorar, fazer sexo virtual, etc..sem precisar se expor pessoalmente, quero dizer, sem se relacionar de verdade com ninguém!
Isso é bom ou ruim?
Por um lado é bom e pode até estimular um relacionamento pessoal. Para aqueles que têm dificuldade de iniciar uma abordagem cara a cara, começar a conhecer algumas pessoas mais devagarzinho através da net pode ser um bom início para, só depois, quando se sentirem mais seguros, partir para um contato real.
O problema é que muitas pessoas, agora que dispõem desse recurso tão vasto para preencher quase todas as necessidades de suas vidas, tendem a isolar-se ainda mais do contato social ao vivo. Quando não havia a internet, algumas atividades tinham que ser feitas pessoalmente, como ir ao supermercado, por exemplo. Despensa e geladeira vazias eram uma forma de pressão suficientemente forte para obrigar a pessoa a sair do isolamento e, pelo menos, ir às compras que não eram acessíveis pelo telefone. Nem isso, agora, ela precisa fazer porque, com uns poucos cliques, o supermercado vai à sua porta.
O déficit de habilidades sociais tem tratamento e, em alguns casos, pode ser revertido em um espaço de tempo relativamente curto. A partir de um diagnóstico das necessidades do cliente, num primeiro momento ele é treinado para comportar-se socialmente de modo adequado, aprendendo a lidar com a angústia, a sensação de insegurança e a ansiedade que sempre acompanham essas situações. O objetivo desta fase da terapia é transformar o cliente numa pessoa sociável e capaz de ir em busca de seus objetivos, obtendo autoconfiança e elevando sua auto-estima. O passo seguinte – e que pode ocorrer simultaneamente ao treinamento – é levá-lo a conhecer-se melhor e adquirir autonomia, tornando-se capaz de valer-se de sua própria criatividade e recursos internos para enfrentar cada novo momento da vida.
Sem um tratamento adequado, essas pessoas perdem a oportunidade de descobrir que suas dificuldades são parecidas com as de todas as outras pessoas porque todos nós, no fundo, temos medo do sofrimento em nossos relacionamentos. E a possibilidade de compartilhar nossos talentos e defeitos é o que faz com que nos sintamos aceitos, acolhidos e amados, sendo do jeito que somos.
Habilidade para se relacionar é construída sobre o alicerce da autoconfiança. Uma amizade profunda é construída a partir da capacidade de confiar no próprio julgamento e de se expor ao outro. São qualidades que todos nós somos capazes de desenvolver, aprendendo a discernir adequadamente para escolher em quem queremos apostar para abrir nossos corações.
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Matéria publicada no portal minhavida, março 2007: http://minhavida.uol.com.br