Envelhecimento saudável
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O que significa envelhecer bem? É algo que possa ser definido?
Não há uma definição fácil nem curta para o envelhecimento saudável porque trata-se de um conceito subjetivo, que contempla valores individuais e culturais. Eu particularmente gosto de pensar que trata-se apenas de dar continuidade ao processo de desenvolvimento que vem acontecendo conosco desde o início da vida, nos permitindo viver intensamente cada fase, aceitando e processando as mudanças inevitáveis. Envelhecer bem faz com que valorizemos os ganhos e elaboremos as eventuais perdas, investindo em novos projetos, sempre com o melhor desempenho possível e dentro das possibilidades de cada fase, de modo a propiciar que se mantenha a sensação de bem-estar no dia-a-dia.
É fato que envelhecer bem depende basicamente de se possuir bons recursos – principalmente os internos – para lidar com as dificuldades. Isso equivale a dizer que, também na velhice, viver bem tem mais a ver com o modo como percebemos e lidamos com os fatos da vida do que com os próprios fatos em si.
Como funciona a terapia para pessoas idosas?
A pessoa idosa é – e precisamos aprender a entender isso – uma pessoa normal, não é uma categoria à parte. Trata-se um ser humano com características e identidade próprias, nome próprio e personalidade únicos, que vem se desenvolvendo desde que nasceu, tendo já vivido mais tempo e experiências do que a maioria das pessoas. O trabalho terapêutico é o mesmo da terapia individual para qualquer adulto, isto é, trabalham-se as questões que o cliente deseja trabalhar. Nesse processo, geralmente ocorre uma revisita à sua história de aquisições, de suas estratégias de enfrentamento de possíveis perdas, de trabalhar suas limitações com vistas a seguir se desenvolvendo como indivíduo único que é, adaptando-se ao meio externo e de conformidade com sua condição; ajuda também a manter o sentido da vida, cujo resultado é a preservação da autoestima e do autocuidado. É um trabalho que visa a ajudar cada pessoa naquilo que for o seu pedido naquele momento, respeitando seu sistema de valoração e prioridades, sua identidade e experiência de vida, sem que se busque impor modelos convencionalmente considerados “saudáveis para aquela faixa etária”, caso este não seja o seu desejo. Portanto, escutar atentamente e considerar os desejos e aspirações dessa pessoa, livre de ideias preconcebidas é o ponto de partida da terapia.
Posso planejar um envelhecimento saudável? De que forma?
Sim. O autoconhecimento e a possibilidade de acesso à ajuda especializada são facilitadores importantes nesse processo. Vivendo de forma saudável no dia a dia desde cedo constroem-se hábitos saudáveis que se manterão ao longo da vida, adiando degenerações e minimizando obstáculos. Isso inclui aprender a encontrar novas motivações e seguir adiante apesar das inevitáveis tristezas e/ou perdas com que nos deparamos ao longo da vida.
Hoje há profissionais capacitados a diagnosticar cada caso (visto que o envelhecimento é heterogêneo e, portanto, ocorre de forma diferente em cada indivíduo) e planejar o envelhecimento de modo a prevenir perdas importantes (treino cognitivo, plasticidade comportamental, resiliência, sociabilização, etc..) contemplando a subjetividade da pessoa, de modo a obter uma otimização cognitiva, bom nível de bem-estar e promoção da saúde mesmo em indivíduos com déficits biológicos, de plasticidade e resiliência. Deve-se também pensar no planejamento financeiro, de modo que se possa garantir um padrão de vida adequado no futuro, caso ocorra a situação de impossibilidade de trabalho remunerado pela pessoa idosa.
Existem dicas para se envelhecer bem? Como cuidar da saúde mental e física com o passar do tempo?
Sim. Com o avanço da idade, as características de personalidade tendem a acentuar-se, de modo que aprender a ser leve e motivado, resiliente e ativo, conhecendo-se bem para desenvolver mecanismos internos de superação e controle emocional ajuda a pessoa em todas as fases da vida e a prepara para seguir sendo assim também na terceira idade. Quanto mais cedo se iniciam os cuidados com a saúde tanto física quanto mental, maiores as chances de uma velhice bem sucedida. Quanto ao corpo, sabe-se que praticar atividade física, evitar excessos alimentares bem como abuso de drogas e álcool, aliados a sono adequado são preditores de melhores condições de saúde e bem-estar geral na idade avançada.
Como filhos, netos e demais pessoas próximas, que convivem com o idoso, podem ajudá-lo a lidar melhor com o envelhecimento?
Em primeiro lugar, respeitando sua subjetividade, isto é, tratando-o com a dignidade que sua identidade merece, sem infantilizá-lo nem impedir-lhe de manter o máximo de autonomia possível; respeitando seus desejos, decisões e pontos de vista em todas as questões que envolvem a sua pessoa enquanto houver lucidez, ainda que algumas dessas decisões contrariem pressupostos convencionados como saudáveis. Penso que uma pessoa de, digamos, 80 anos, lúcida, que declara saber que o cigarro faz mal, mas quer fumar mesmo assim porque isso lhe dá muito prazer, não deve ser impedida de fazê-lo.
Já ao idoso com patologia degenerativa em estágio avançado, dependente e sem autonomia, além de dispensar os cuidados adequados multidisciplinares (médico, fisioterapeuta, nutricionista, terapeuta ocupacional, orientação psicóloga para familiares e cuidadores e/ou o que for o caso para seu quadro) deve-se atentar para que lhe sejam disponibilizados os cuidados pessoais de higiene e apresentação pessoal o mais próximo possível daquilo que sua vaidade pedia quando era capaz de cuidar-se sozinho.
Fala-se muito em depressão na terceira idade. Como perceber se o idoso está passando por um momento difícil e precisa de ajuda? Quais os sintomas mais comuns?
É fundamental que ele seja consultado sobre o motivo de sua tristeza e se concorda em receber ajuda. Às vezes a família crê que o idoso está deprimido porque recusa-se a sair ou ir a festas ou viagens, mas ao ouvi-lo descobrimos que ele está bem, que apenas acha muito chatos os passeios da família! Veja, porque ele sairia mais com os familiares se não tem prazer no tipo de entretenimento que lhe é oferecido e gosta de mais tranquilidade, preferindo evitar agitação? A ideia de que é o envelhecimento que acarreta a depressão tem sido responsável por grande numero de casos subdiagnosticados e, portanto, não tratados.
Por outro lado, deve-se suspeitar de depressão quando a pessoa apresenta vários dos seguintes sinais: apatia, humor deprimido, falta ou excesso de apetite, ganho ou perda acentuada de peso, baixa autoestima, falta de interesse por atividades antes prazerosas, irritabilidade, acentuado retraimento social, constante fadiga, falta de energia, desinteresse com o autocuidado e higiene, discurso mórbido, indecisão, insônia ou hipersonia, alcoolismo tardio, dentre outros. Nesse caso, faz-se necessária uma avaliação com psiquiatra ou psicólogo, que fará o diagnóstico e orientará acerca do tratamento.
Quais são as principais preocupações dos idosos?
A decadência física (perder a força, a locomoção e mobilidade em geral) e mental (perda da memória e da identidade), isto é, perder o controle sobre sua própria vida. Na velhice avançada o medo maior é com a perda da independência (capacidade de realizar algo com seus próprios meios) e autonomia (capacidade de decisão e comando).
A forma como a sociedade vê o idoso tem mudado nos últimos anos?
Embora o idoso esteja ganhando importância social devido ao aumento da longevidade e da extensão no tempo de sua capacidade produtiva, ainda há muito preconceito em relação a ele. Apesar de ser, em alguns casos, plenamente capaz intelectualmente, o que se vê em primeiro lugar é o seu corpo. E esse corpo denuncia a passagem do tempo. No entanto, como hoje ele se expõe mais e também é mais valorizado por seu poder de consumo, alguma valorização ocorre, sim.
O aumento da expectativa de vida nos últimos anos tem sido acompanhado por uma melhoria na qualidade de vida da pessoa idosa?
De certo modo, sim. O idoso que dispõe de recursos financeiros tem uma condição privilegiada em relação ao idoso de algumas décadas atrás. Graças ao acesso às informações e às várias modalidades de terapias disponibilizadas pelo avanço científico e tecnológico, suas condições de saúde e bem-estar vem sendo melhoradas hoje. Mas isso envolve um custo financeiro que uma grande parcela de idosos situados na base da nossa pirâmide social ainda não consegue acessar. Já existem alguns serviços públicos de excelente qualidade para essa população, mas sua abrangência ainda é limitada.
Os pacientes mais idosos costumam aceitar bem mudanças no comportamento e novos pontos de vista?
Muitos não vêem mudanças comportamentais com bons olhos e preferem permanecer em sua zona de conforto, alguns mostram-se até mesmo tenazes em defender suas ideias. Mas isso ocorre também com vários pacientes jovens. O que tenho observado é que aqueles que já apresentavam maior plasticidade, curiosidade pelo novo e ousadia para inovar durante toda a vida, apresentam muito boa disposição para a terapia na idade avançada. O que mais uma vez confirma que, com o passar do tempo, tendemos a acentuar mais e mais algumas características de nossa personalidade. De verdade, é simples assim! Quanto à terapia, eles aceitam bem e mesmo buscam a terapia e tendem a realizar uma vinculação excelente com o processo, com adesão ótima. Mas isso não significa que deva ser imposta por familiares ou cuidadores. Aliás, não se deve pressionar ninguém a fazer algo que não queira.
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Mariuza Pregnolato em entrevista à jornalista Thaylise Nakamoto.