Complexo de Superioridade
VoltarO complexo de superioridade é uma patologia ou é próprio de quem se acha “o tal”?
O chamado complexo de superioridade não é uma patologia em si. É, antes, um sintoma de que o indivíduo não sabe integrar suas potencialidades e limitações, não consegue conviver com elas harmoniosamente. Indica que ele não se sente seguro de si, por isso tenta aparentar superioridade: mais para convencer a si mesmo do que aos outros. As pessoas que apresentam esse quadro têm, em geral, um forte sentimento de insegurança e medo de rejeição, além de auto-estima reduzida, ainda que não tenham consciência disso. Todos esses sentimentos são insuportáveis para sua psique, que deseja se realizar e não consegue fazê-lo. Daí a necessidade de apresentar ao mundo uma persona (uma máscara, uma aparência) de que é melhor que os demais. É um mecanismo de defesa de caráter compensatório e sua incidência é alta, variando em grau e forma de se manifestar. Embora algumas pessoas portadoras dessas características apresentem também outras patologias, a comorbidade não é uma regra, de modo que o ‘complexo de superioridade’ pode, muitas vezes, aparecer em seu estado puro – não associado a nenhum outro quadro.
Como a psicologia trata o termo “complexo de superioridade”?
Depende da corrente teórica, que são várias dentro da Psicologia. A Psicologia Analítica, concebida por Carl Gustav Jung, por exemplo, fala em “sentimento de superioridade” porque o termo “complexo” refere-se a núcleos neuróticos de qualquer natureza. Em geral, porém, o termo é entendido mais profundamente como um mecanismo inconsciente de compensação, na presença de sentimentos opostos, isto é, de insegurança, baixa auto-estima e sentimento de inferioridade.
Como se comporta quem tem complexo de superioridade? E como se faz o diagnóstico desse problema?
Não há um comportamento padrão. Costuma-se usar o rótulo de portadores desse complexo em relação àqueles que apresentam comportamento arrogante e prepotente, em que há visível depreciação do interlocutor. Mas nem sempre é assim. Em alguns casos, a presença dessa condição pode ser muito sutil e difícil de ser identificada. Por exemplo, há pessoas que se dedicam a ajudar o próximo, exercendo atividades voluntárias, sendo zelosas em relação ao bem-estar da comunidade e tratando a todos com extrema doçura, ao mesmo tempo em que estão abrigando, dentro de si, a crença de que são melhores – mais nobres e altruístas – do que os demais. Somente em momentos de extrema ansiedade é possível identificar a presença desse sentimento em pessoas que são aparentemente dóceis e pacíficas. Numa situação assim, essas pessoas deixam cair a máscara e cobram pelas suas boas ações, supervalorizando seu trabalho e depreciando o comportamento alheio. Para diagnosticar com precisão é preciso analisar a atitude do indivíduo sob estresse, detectando se ele é capaz de respeitar a diferença no outro, ao mesmo tempo em que é capaz de reconhecer suas próprias limitações e valores. Uma pessoa bem estruturada psiquicamente é capaz de viver em harmonia com as suas próprias características de personalidade e validar as dos outros, sejam elas quais forem, em todas as situações.
Essas pessoas podem ter atitudes mais extremas e hostis, como violência e agressão?
Sim, se o seu temperamento for de alguém hostil e agressivo, mas não tem que ser necessariamente assim. De qualquer forma, elas são muito mais suscetíveis à crítica e a qualquer tipo de rejeição. No exato momento em que se sentem ameaçadas pelo outro, é ativado o mecanismo de defesa que elas têm pronto dentre de si e que é diferente para cada pessoa: pode ser uma agressão verbal ou física, uma ironia, um olhar de indiferença, desprezo ou de superioridade, ou mesmo uma atitude impassível – e, neste caso, o diálogo é unicamente interno, como a formulação de uma ladainha. Por exemplo, ela pode imediatamente pensar consigo mesma que é tão superior ao seu interlocutor que um diálogo com ele é desnecessário, que ele é digno de pena, que não quer se “misturar” com ele, etc.
Quem tem esse complexo admite que o tem?
Em geral, a pessoa não tem consciência do mecanismo, apenas do desconforto que ele traz, mas tende a negar a existência do complexo porque não o associa ao seu sentimento. Quando frustrada ou ameaçada, tende a culpar o mundo ou as outras pessoas pelo que está vivendo e sente-se injustamente incompreendida pelos demais (pela pobreza de entendimento dos outros acerca de suas qualidades). Alguns chegam a se convencer de que são mesmo superiores e não portadores de um distúrbio de avaliação. Pacientes em processo psicoterapêutico aprendem a lidar com essa questão, o que é às vezes um pouco mais sofrido no início. Durante a terapia eles enxergam o que está realmente instalado no seu inconsciente e, muitas vezes, é o contrário do que aparentam e desejam acreditar: um insuportável sentimento de inferioridade e inadequação.
Como uma pessoa que sofre desse mal e se comporta com superioridade pode se curar disso?
Através do processo terapêutico é possível aprender a gostar de si mesmo descobrindo como a própria história de vida tornou-o forte em alguns aspectos e frágil em outros. Durante a terapia, o paciente reconstrói a sua trajetória de vida e se estrutura mais solidamente. Ele aprende a realizar seu potencial ainda não desenvolvido e a enfrentar suas dificuldades e medos com coragem e segurança, superando obstáculos e aprendendo a oferecer e a receber ajuda. Reconhece, acolhe e trabalha seus sentimentos negativos e, com isso, deixa de ser dominado por eles. Desenvolve um real respeito por si mesmo e pelos outros, deixando de sentir-se ameaçado. Aquele que ama e respeita a si mesmo não sente necessidade de se impor nem cobrar nada de ninguém e, por isso, nem lhe ocorreria fazê-lo.
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Mariuza Pregnolato em entrevista ao programa Mulheres, da TV Gazeta.